As minhas referências na imprensa do esporte

Em quaisquer profissões somos marcados por referências. Tenho também as minhas, cuja primeira é a de acompanhar o meu pai assistindo ao decano “Stadium”, na TVE – TV Educativa, se não estou enganado é a atual TV Brasil/EBC -, um dos apenas dois canais disponíveis no interior de Goiás nos anos 1980.

Meu pai também foi quem disse “Assiste a esse jogo porque é um torneio importante”, pouco antes de começar a segunda partida de São Paulo x Newell’s Old Boys (ARG), pela final da Libertadores de 1992. Segui o conselho dele e acompanhei pela Rede OM – mais uma vez se não me falha a memória hoje é a CNT -, com narração do Galvão Bueno. Assisti àquela decisão no segundo aparelho de televisão comprado pra casa. Um luxo. Era para ficar no quarto do meu irmão, enquanto não podia sair por conta de uma catapora. Fiquei impressionado com a invasão de campo após o título e pensei comigo: “Essa Libertadores deve ser mesmo importante”.

Começava ali uma paixão pelo torneio sul-americano que dura até hoje, com direito a estadia da Taça por algumas horas em casa, em novembro de 2010.

Saiba mais | Quando a Taça Libertadores esteve em casa (escrito por Leandro Iamin)

Em janeiro de 1992, meu amigo Igor Biasetti começou a assistir ao Campeonato Africano de Nações, pela TV Cultura, na companhia do seu pai, o Biá. Comentou comigo e também passei a acompanhar. No mesmo ano, o canal foi pioneiro com o novo Campeonato Alemão (Bundesliga) aos sábados à tarde. As Alemanhas Ocidental e Oriental já não mais existiam. Em 1993, a Cultura desbravou de vez ao difundir as imagens de uma reorganizada liga japonesa, a ‘J-League’.

Era um banquete do puro futebol internacional. Inesquecível.

Entretanto, em 1991, a Jovem Pan teve uma experiência de alguns meses no UHF (quem viveu os anos 1990 sabe o que significa esta sigla). Naquela época, qualquer nova emissora de televisão era novidade, ainda mais uma que passava o paulista de futebol de salão – salão, o da bola pesada, ‘direto do ginásio da federação’, não o futsal. De vez em quando ecoa na mente o bordão “A emoção acontece na Pan!”, ou o ‘foguete’ (vinheta publicitária) das ervilhas e salsichas Swift, que patrocinavam a transmissão. GM (General Motors) e Banespa faziam grandes clássicos. Vander, Ortiz e Morruga eram três dos inúmeros craques e que davam nome a alguns tênis.

De domingo pra segunda-feira, a 1:00 da manhã, a JP passava o campeonato argentino, com Flávio Prado na narração e Roberto Petri nos comentários. As fitas com os jogos vinham através de ‘mulas’ em voos da Aerolineas Argentinas ou Varig que partiam de Buenos Aires para São Paulo no início da noite. Eu tenho bem claro na lembrança de comentarem isso no começo da transmissão, depois de meu pai ajeitar a antena de uma Telefunken que ganhou de casamento, em 1981.

Estava com 10 anos (1992) e o esporte não era apenas parte da minha vida, mas toda ela. Os sábados depois do almoço eram sagrados. Me recusava perder “Grandes Momentos do Esporte” da TV Cultura, apresentado por Luís Alberto Volpe, com matérias e entrevistas do Helvídio Mattos. Depois trocava de canal para ver – boquiaberto – os programas “Gillette: o Mundo dos Esportes”, seguido pelo “NBA Action”, ambos pela Bandeirantes. Eram exemplos do que estava sendo feito e do que acontecia pelo mundo, em um formato muito diferente do que estávamos acostumados. Naquela altura a tevê a cabo era realidade bem distante.

A televisão pública de São Paulo (TV Cultura) me influenciou com o “Cartão Verde” de Flávio Prado, José Trajano e Juca Kfouri. Quando terminava, havia ainda o “Vitória”, que dava o panorama de modalidades que até então não tinham muito espaço. Um programa visionário.

Meu pai também me apresentou a revista “Placar”, que comprei até os seus últimos dias. Foi através dela que conheci outras tantas publicações, como a espanhola “Don Balón”, a francesa “France Football” e a argentina “El Gráfico”. Corriam os anos 1994 e 1995. Das vezes que visitava São Paulo, parávamos em banca na Praça Pan-americana ou na próxima ao Parque Antarctica, para comprarmos aquela revista que estivesse disponível, ou então o jornal “Olé”, de Buenos Aires – que influenciou o lançamento, anos mais tarde, do “Lance!”. Muitas vezes, não havia nada. Quando disponíveis, pareciam custar uma fortuna e meu pai dizia: “Acabou, não vou comprar mais nada!”.

Demorava meses para terminar a leitura, mas devorava tudo aquilo.

Depois disso os anos se passaram e a tevê a cabo se difundiu. Os programas esportivos ganharam novos, específicos formatos e projetaram vários nomes do jornalismo. A internet pouco a pouco tornou-se mais rápida, portátil e – muito mais – abrangente. Tem feito a indústria da comunicação se mexer como nunca e a descobrir incontáveis oportunidades, umas bem sucedidas, outras nem tanto.

Mesmo com todos os avanços, novas influências e referências, essas minhas primeiras eu não esqueço.

Em tempo (sábado, 8 de abril de 2023): os amigos Mário Mendes e Ivan Marconato mencionaram as transmissões que a Globo fazia nos anos 1990 das finais da atual Liga dos Campeões da Europa. Esses jogos contribuíram com a minha impressão sobre o futebol internacional.

É isso mesmo. A TV Globo transmitia apenas a final desse torneio, também a decisão da Taça UEFA (hoje Liga Europa) e, algumas vezes, a partida decisiva da atualmente extinta Recopa Europeia (campeonato que reunia os clubes vencedores das Copas nacionais). Acompanhei o Estrela Vermelha, de Belgrado, levantar a Liga dos Campeões da Europa em 1991, ao vencer o Olympique de Marselha nos pênaltis. No ano seguinte, um petardo de Koeman em cima de Pagliuca (goleiro da Sampdoria), deu o primeiro título ao Barcelona, em um Wembley lotado. Em 1993, Basile Boli para o Olympique de Marselha fez o gol do único triunfo francês em mais de seis décadas de história da Liga. Assisti aos 4 a 0 do Milan sobre o Barça em 1994 e, em 1995, a vitória em Viena de um imbatível e inesquecível Ajax, com Edgar Davids usando óculos à la Kareem Abdul-Jabbar.

O aparelho Panasonic de 14 polegadas em que vi o São Paulo levantar a Libertadores de 1992 foi comprado pelo meu pai na “Casa Centro”. Não sei se essa rede de lojas de eletrodomésticos ainda existe, mas pela compra recebemos de cortesia uma fita VHS com todos os gols do Brasil em Copas do Mundo, com a apresentação do Flávio Prado (imagem abaixo).

Acho que vi essa fita umas 374.952 vezes.

O amor sempre vence

A seleção argentina masculina de futebol venceu, em dezembro de 2022, seu terceiro título de Copa do Mundo FIFA, no Catar. Especialistas dizem que foi uma conquista com base no talento, na raça, no espírito característico do futebol daquele país. Uma mistura de irreverência com seriedade e compromisso. Não há dúvidas disso.

No entanto, a esses fatores, não há como deixar de acrescentar o “amor” como elemento bastante importante para o tricampeonato. Dentro de campo, amor ao futebol, à profissão, à excelência e obsessão pelo resultado positivo. Fora de campo, amor à equipe nacional, à história, amor à cultura futebolística do país através de cânticos que ganharam dezenas de milhares de vozes nas arquibancadas do Catar que, em uníssono, encantaram o mundo e contagiaram os compatriotas alvi-celestes que estavam dentro das quatro linhas.

Omnia vincit Amor (o amor tudo vence), uma vez escreveu o poeta romano Virgílio (70-19 a.C.).

A paixão pelo trabalho sugere que ele seja bem feito. No futebol, isso é traduzido em resultado, ou seja, a vitória. A vitória leva a mais empenho no trabalho. Com isso, constrói-se uma tradição, uma história. Essa história vai exigir ainda mais dedicação e compromisso a fim de manter-se esta cultura vitoriosa.

Talvez tenhamos perdido ou diminuído este amor. Não com a seleção brasileira ou com o futebol. Mas com o país e em todas as relações sociais do cotidiano.

Diante de um individualismo tão grande, e da satisfação de pequenos grupos em prejuízo do coletivo, o Brasil vai se perdendo. Independente de partido político ou presidente no poder.

Quero começar pelos super povoados e incontáveis arranha-céus que brotam do chão, movidos pelo lucro e pela falta de planejamento. Dominam a paisagem das cidades e fazem com que menos crianças tenham acesso ao lazer. Crescem em apartamentos minúsculos que não proporcionam espaços para desenvolver a coordenação motora. Prendem-se aos vídeo jogos, orientados pelos pais, com medo da violência urbana.

Uma violência que resulta do alto custo de vida, do tráfico de drogas e da urbanização agressiva, que desloca as pessoas de baixa renda para áreas mais afastadas do centro da cidade, que vivem em péssimas condições de habitação, onde sequer chegam os serviços públicos e as oportunidades. Neste contexto, nascem as milícias. O deslocamento dessas pessoas até os seus trabalhos leva horas e em situações longe de serem confortáveis. Circunstâncias que geram estresse e diversos tipos de pressão, hipóteses para o consumo de drogas, lícitas ou ilícitas, como uma fuga da realidade. Uma luta pela sobrevivência.

As cidades crescem sem parar. As que já são bastante populosas, não param. As pequenas, perdem pessoas e, claro, orçamento. Isso tem impacto negativo na saúde, educação e na sociedade. A desintegração familiar é um exemplo e tem consequências gravíssimas. Resultado da falta de planejamento, de desenvolvimento regional e logístico que forçam esta migração. Dão preferência a modais – como o rodoviário – em detrimento de outros. Com isso, as ruas e rodovias ficam lotadas. Agressivas e com o tempo escasso, os condutores correm mais nas estradas e nem são todos capazes de adquirir automóveis mais novos. Isso leva a mais acidentes e mortes. Com o combustível caro, assim como os pedágios, e sem outras opções de transporte, as reuniões familiares são menos frequentes e menores. Sem falar no impacto que tudo isso tem no turismo. Com produtos de subsistência mais caros, o custo de vida aumenta e é capaz de gerar mais violência na luta pela sobrevivência. Ao passo que isso também leva para mais desintegração familiar.

Consequência também na vida social. Os clubes estão cada vez mais esvaziados. Muitas vezes a sua sede é distante, o que se traduz em tempo no trânsito e dinheiro. Os de futebol, situação igual. As administrações fazem o possível e o impossível a fim de manter um bom público para deixarem os caixas saudáveis. Afinal, uma partida de futebol concorre com diversas opções de lazer. E cada centavo precisa sem bem gasto. A tal relação “custo-benefício”. O esporte de rendimento tornou-se caro e, claro, alguém paga a conta, que está contabilizada no preço do ingresso.

Com isso, torna-se mais difícil o futebol alcançar novos públicos como antigamente. Está em crise? Não, longe disso. Não vai deixar de ser popular, mas a prazo o resultado pode ser visível, assim como é a presença de mais jovens nas torcidas organizadas, cada vez menor. Na geração deste que vos escreve, não era assim.

Os vínculos sociais diminuem e as manifestações de amor, cada vez mais raras. O individualismo e a preocupação com a sobrevivência fazem com que aquilo que conectava a população (por exemplo, o futebol) deixe de ter importância. Aos poucos, tudo se escorre pelo ralo com menos pessoas envolvidas. Torcidas adquirem CNPJ em uma escancarada relação interesseira.

É pequenez procurar por culpados em o Brasil não ter vencido a Copa. Perdeu porque há quem vença, há quem não. Simples.

Ao mesmo tempo, percebeu-se que o amor pelo jogo e pela camisa amarela deixaram de fazer sentido.

Do lado argentino, isso aumentava gradualmente conforme a Copa do Mundo acontecia. Ficou evidente com a reflexão depois da derrota contra a Arábia Saudita. Após a volta por cima contra México e Polônia. Com a defesa de Martínez do chute australiano no último minuto. No recomeço depois do empate da Holanda nos acréscimos. Após a demonstração de extrema concentração no espetáculo diante da Croácia. E, finalmente, com a frieza diante de uma França que não se deu por vencida.

Uma campanha que deixou claro que o amor é fundamental.

Do lado brasileiro e muito além do futebol, o amor ao que se faz, o respeito à capacidade produtiva do país e ao poder empreendedor do seu povo; o amor à República, ao trabalho a serviço da igualdade – por isso também passa a igualdade regional -, em meio a um projeto diretor que conduza a nação aos mais altos indicadores sociais, são sim capazes de mudar a realidade do Brasil.

No entanto, em um lugar que não se pensa no próximo e não se respeita o coletivo, em que não há o amor, ele jamais será o exemplo que nos levará à vitória. Assim como não foi durante a Copa.

Afinal, o amor vence tudo.

Superliga Americana de Rugby 2021

Entre 12 de março e 10 de maio participei da Superliga Americana de Rugby (SLAR), como narrador de 2 jogos por rodada para o aplicativo da ESPN no Brasil (Watch ESPN). Foram 19 jogos narrados: em duas rodadas fiz apenas uma partida, mais um jogo da semifinal.

Foram 60 dias em uma bolha sanitária. Entre o dia da chegada (12/3) até a madrugada de 4 para 5 de abril, em Santiago/Chile. Do dia 5 de Abril até 10 de maio, em Montevidéu/Uruguai. Não podíamos sair do trajeto hotel-ônibus-estádio, estádio-ônibus-hotel. Foi um grande desafio para atletas, arbitragem, comissões técnicas, dirigentes, organizadores e parte da imprensa, sobretudo da comunicação oficial da SLAR, que também estava lá.

Era necessário que a SLAR acontecesse. Para que isso fosse possível, foi preciso fazer bastante diferente e exigiu um grande esforço de todos.

Deu certo. Como escrevi no parágrafo anterior, foi muito exigente, mas fui privilegiado e sou grato pela oportunidade. Que venha o próximo!

Saudações ovaladas!

Foto 1: Eu durante a transmissão de jogo da Superliga Americana de Rugby, no Estádio Nacional, em Santiago/Chile (Março/2021)

Foto 2: Santago Cuenya (Angles Stats), Eugenio Astesiano (Sudamérica Rugby/SLAR), Martín Jauma (Angles Stats), Pepi Abuchalja (Clic Live Contents), eu e Felipe Habermehl (Clic Live Contents). Estádio Nacional de Santiago/Chile. Março de 2021.

SLAR 2021

Compartilho convosco 2 momentos das minhas narrações para o aplicativo ESPN Play dos jogos da Superliga Americana de Rugby (SLAR).

O futebol visto do alto

Recebi esta foto há uns dias, que desafiava-me a identificar estádios de futebol em Buenos Aires e Avellaneda (Grande Buenos Aires), com seus respectivos clubes.

Desafio aceito e feito. Bastante divertido!

Escalação de Madagascar

Dia desses recebi um meme que brincava com a delicada situação de uma equipe de transmissão de rádio e TV para uma partida de rugby da seleção de Madagascar, ilha africana no Oceano Índico, que possui o tamanho do estado de Minas Gerais e pouco mais de 25 milhões de habitantes. Os nomes eram em maioria muito extensos e alguns bastante complicados:

O malgaxe é uma língua do tronco malaio-polinésio, oficial de Madagascar, ao lado do francês. Diante deste meme, o amigo Ale Ferrer desafiou-me em fazer um vídeo com a escalação malgaxe.

Desafio aceito, aí vai:

Espero que tenham gostado!

A Liga de Futebol da América Latina

Dia desses em uma dessas lives no instagram durante a quarentena, conversava com uma amiga Jornalista a respeito da principal liga norte-americana de futebol, a MLS (Major League Soccer). Ela mencionou a crescente quantidade de brasileiros nas arquibancadas daquele torneio e citamos o proprietário de uma das franquias – o Orlando City -, o também brasileiro Flávio Augusto da Silva. Ainda dentro da conversa começamos a vislumbrar as enormes oportunidades que a MLS possui e lembramos a grande quantidade de futebolistas latino-americanos por lá.

Pois bem. A partir daí comecei a pensar na possibilidade de a Major League Soccer tornar-se, em anos, em espécie de “Liga Latino-Americana”, uma versão americanizada da Taça Libertadores. Daqui alguns anos, com os melhores atletas da região ou com os antigos melhores, que atuavam na Europa e estão em fim de carreira, o principal torneio estadunidense de futebol tem tudo pra ser uma liga das estrelas, a deixar as competições nacionais e continentais em segundo plano.

Há quem diga que posso estar louco. Quero na verdade estar completamente enganado. No entanto, a maneira como isso vem sendo desenhado ao longo dos anos leva-me a acreditar que o rascunho ganhará forma de obra-de-arte. A cada temporada o número de equipes aumenta. Os estádios cada vez mais repletos. Os investidores são expoentes da indústria norte-americana e mundial de entretenimento. Possuem reputação de saberem onde investir. Ademais, com os boatos da eventual saída de Messi do FC Barcelona e transferência para o Manchester City, o clube que pertence a conglomerado que possui franquia na MLS, o New York City FC, que se torna provável destino para onde o craque argentino poderá se dirigir em breve.

Torcida do Los Angeles FC, recente franquia da MLS. Foto: Ringo Chiw/AP

Entretanto, a cereja do bolo disso tudo é a regulamentação do mercado. As ligas de esportes profissionais na América do Norte atuam em um sistema que muitos dizem ser “socialista”: negociam em conjunto patrocínios e direitos de transmissão, negociam e distribuem os jogadores entre as equipes a fim de conferir competitividade ao torneio, na definição mais exata de que “um não existe sem o outro”. Além da regulamentação, as franquias possuem teto salarial para jogadores e dirigentes, a fim de manter a saúde financeira dos agentes envolvidos. Ganham mais se houver mais interesse em audiência, quer seja pela TV ou internet (à distância) ou in loco.

Diante disso, para que as nossas ligas nacionais ou continentais não fiquem em segundo plano, é urgentemente preciso regulamentar o mercado e profissionalizar a indústria do esporte e, neste caso, o futebol. A modalidade está inserida em uma indústria de entretenimento que concorre com centenas de outras opções de lazer, de maneira presencial ou remota. É preciso organizar o mercado local e regional com profissionalismo e excelente trabalho de comunicação integrada. Tudo isso a fim de conferir valor a uma indústria muito importante para o país e região, quer seja para a identidade nacional e regional, quer seja para o potencial que a modalidade possui na geração de emprego, renda e riqueza.

Traje à Rigor

Sobre a indústria dos uniformes do futebol, desenvolvimento e alcance das últimas décadas

Uma das primeiras coisas que pensamos sobre “marketing esportivo” são os uniformes das equipes de futebol com os seus patrocinadores. Sobre as marcas nas camisas, isso é tema para outro texto. Este se atenta às camisas especificamente. Elas mudaram muito ao longo dos anos, trouxeram mais identidade aos clubes e conexão com os torcedores. Virou moda e é uma indústria muito lucrativa. Não à toa as grandes marcas querem ser fornecedoras dos principais clubes, haja vista o volume de vendas.

Enquanto o futebol era em “preto-e-branco”, os uniformes eram muito básicos, de apenas uma cor, com poucos desenhos e formatos. Ao passo que as telecomunicações se desenvolveram, não só a TV tornou-se em cores (nos anos 1970), mas os uniformes também. Dizem que a televisão em cores foi o principal fator que contribuiu para a escalada de criatividade nos equipamentos de futebol que aconteceu desde então. Ao passo que a indústria da modalidade crescia, as transferências de futebolistas passaram também a ser mais comuns. A associação de um deles a uma determinada camisa e a certo patrocinador, de acordo com a temporada, fazia o torcedor querer ainda mais algo do clube.

Kevin Keegan com o Hamburgo, de rosa, observado pelos futebolistas do FC Barcelona em amistoso de 1977. Os alemães venceram por 6 a 0. (foto: reprodução/divulgação)

Quer seja como forma de chamar a atenção de um determinado público-alvo, conferir identidade ou posicionar o clube em relação a um assunto, o uniforme de futebol deixou de ser apenas uma camisa. O aumento do número dos movimentos sociais levou vários grupos a se envolverem com determinados clubes. Além disso, o desenvolvimento da indústria da moda levou a um inevitável encontro com o futebol. Com os futebolistas de renome cada vez mais formadores de opinião, exemplos de ideais éticos e estéticos para uma sociedade, a popularidade de um naturalmente se envolveu com o alcance do outro. E vice-versa.

Com tudo isso, a camisa é parte importante do “marketing esportivo” do futebol. Ingenuidade pensar ser somente porque carrega a marca de um patrocinador. A camisa comunica, ela faz chegar a mensagem. Ao uniforme atribuem-se características intangíveis – inegociáveis e sem preço -, confere-se identidade, dedica-se lealdade, recordações são resgatadas e dá-se valor. Valor, com “V” maiúsculo.

Quanto mais valor a camisa agregar, mais significado para o torcedor haverá. Do mais fanático ao mais consumidor. Como o conteúdo do futebol é infinito, esta indústria dos equipamentos esportivos também não terá fim.

Quando o futebol retornar

texto escrito em 27 de Abril de 2020

O mais importante entre as coisas menos importantes

Parece que se está numa contagem regressiva para o retorno às atividades do dia-a-dia. Daqui a algumas semanas abrandam as normas de isolamento social, setores do comércio e indústria retornam às atividades com algumas restrições, em meio à desconfiança de muitos e indiferença à pandemia de outros muitos também. Enquanto a Argentina encerrou o campeonato nacional e sugere uma temporada que começa em Janeiro, por cá cogita-se e vislumbra-se o retorno ao calendário, em sugestão vinda do topo. Não do topo do futebol!

Quando o futebol retornar, que seja com cautela, para os futebolistas, colaboradores e torcedores. A temporada foi interrompida, preparação e resultados não são mais os mesmos conforme o planejamento estabelecido no início do ano e que estava sendo posto em prática. As expectativas dos torcedores também não serão as mesmas. Claro, paixão e lealdade são inalteráveis, mas as prioridades serão outras: a economia precisa voltar à normalidade, a empregabilidade, a capacidade de produção, as pessoas mais próximas que demandam os nossos cuidados.

Bolas

Foto: reprodução/divulgação

Quando o futebol retornar, que os valores tenham sido repensados. Difícil, não? Mas não impossível. Que o respeito seja palavra de ordem e colocado em prática. Ele não pode ser usado para desviar a atenção em relação a outros problemas, o futebol é serviço público, importante para a sociedade e formador de opinião. Em tempos delicados, tem que dar o exemplo e servir. O futebol é importante, claro que é. No entanto, esta época de quarentena tem mostrado que há muito mais elementos importantes, instituições e patrimônios como a família, a solidariedade, o próximo e as normas de convívio social. Quisera tudo isso seja transferido ao futebol! Por que não pensar nisso? Pensar no respeito ao torcedor adversário e ao Árbitro (às leis), por exemplo. O futebol nos impede de sermos solidários? (Aliás, o que nos impede?) Não, claro que não.

Por que não ser tudo isso quando o futebol retornar?

Arrigo Sacchi uma vez mencionou que o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes. Certeiro. Já uns dizem que há tempo para tudo. E é isso, aos poucos tudo retornará à modalidade e o futebol vai reconquistar o destaque na cobertura das grandes mídias. Portanto, quando o futebol retornar, que volte mais humano, com respeito, e que transmita os valores esportivos que, quando da idealização da modalidade há mais de um século, deram a tônica para tornar-se o esporte que tanto amamos.

Por que não ser um difusor de boas práticas e bons costumes? Não há motivos para não ser.

Em tempo, a frase da semana:

“Dizem que o futebol não tem nada a ver com a vida do homem, com as suas coisas mais essenciais. Sinceramente, não sei o quanto essa gente sabe da vida; mas de algo estou certo: não sabem nada de futebol.”

Eduardo Sacheri,  escritor argentino.

Em tempo 2: texto em memória da amiga Letícia Fava, vítima da COVID na última semana. Querida amiga, obrigado pela confiança e carinho. ATÉ SEMPRE!

 

Produção de Podcasts

Entre as atividades que desenvolvo está a da produção de podcasts. Um deles é o “EsportePédia”, que desenvolvo com o Ale Ferrer, sobre curiosidades de temas relacionados ao esporte. Durante a quarentena temos produzido alguns episódios, entre os quais:

E este:

Para além deste podcast, produzo com os amigos Luís Kolle, Luiz Haas e Thiago Santos o podcast “Em Jogo”, sobre Gestão e Marketing do Esporte. Assim como o “EsportePédia”, deixo-vos aqui os últimos dois episódios:

Mais um:

Muito obrigado por terem lido este texto até o fim.